(Escrito por Cássio Eliakim Fugimoto)

Um breve estudo buscando entender a incorporação do termo à doutrina jurídica.

Nos dias atuais, praticamente todos os contratos firmados com a finalidade de ceder crédito a um terceiro são regidos por sistemas de amortização baseados em juros compostos, os quais incidem na capitalização composta de juros. Em que pese a existência de controvérsia acerca do assunto, não o coloco neste momento em voga, mas sim o conceito adotado no âmbito jurídico para a expressão mundialmente conhecida como ANATOCISMO. Qualquer juro calculado sobre outro juro é sinônimo de anatocismo, ou somente a incorporação dos juros vencidos (não pagos) ao capital?

1)    ORIGEM

A palavra ANATOCISMO deriva do termo latino anatocismus, sendo que tal vocábulo tem gênese grega (anatokismós – ανατοκισμός). Vejamos a definição advinda do Dicionário de Antiguidades Grega e Romana:

ANATOKISMOS (ἀνατοκισμός), compound interest, and the correlative εὐθυτοκία, simple interest, do not occur in the classical authors, but are often found in inscriptions; the former as a Latin word in Cic. Att. 5.2. 1, 11, “centesimae cum anatocismo anniversario.” The equivalent phrase τόκοι τόκων occurs Aristoph. Cl. 1156. As to the Athenian law on this subject, the researches of Büchsenschütz (Besitz und Erwerb, p. 499) and Caillemer (Étude ix. p. 26, also in Daremberg and Saglio s. v.) cannot be said to lead to any definite conclusions. It appears probable that the utmost freedom of contract was allowed. For the Greek feeling against usurers, and the subject generally, see FENUS (Greek).

[W.W]

A Dictionary of Greek and Roman Antiquities. William Smith, LLD. William Wayte. G. E. Marindin. Albemarle Street, London. John Murray. 1890.

Desta forma, numa tradução emprestada ao português temos figurativamente o significado como: “provento do dinheiro emprestado, usura”. A tradução do termo pode sofrer pequenas variações devido à adaptação linguística a que se submete, mas claramente notamos que anatocismo, na origem da palavra, trata meramente de juros sobre juros. Ademais, podemos extrair do já referido dicionário o fato de que para os Gregos, em tempos que os contratos eram livremente pactuados, a expressão anatocismo viria no intuito de proibir a usura.

2)    APLICAÇÃO JURÍDICA

Os primeiros indícios da incorporação deste termo ao nosso vocabulário jurídico aparecem com o Código Comercial Brasileiro, em 1850, o qual em seu artigo 253 estabeleceu:

Art. 253 – É proibido contar juros de juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos liquidados em conta corrente de ano a ano” (Grifo meu).

O que se entende de tal código: em sua primeira parte proíbe peremptoriamente a cobrança de juros sobre juros, de forma geral. Na segunda parte, demonstra a única exceção, qual seja a cumulação dos juros vencidos aos saldos liquidados, desde que capitalizados anualmente.

Resumindo o artigo 253: é proibido cobrar juros sobre juros, no entanto, é permitido cobrar juros vencidos sobre o capital liquidado, desde que a periodicidade da capitalização tenha sido anual.

Diversos doutrinadores, juristas, pesquisadores, entre outros, afirmam que a legislação brasileira teve como origem as leis criadas nos países europeus, sendo o mais influente o Código Civil Francês, também conhecido como Código de Napoleão, o qual dita em seu artigo 1154:

Art. 1154 – Os juros vencidos dos capitais podem produzir juros, quer por um pedido judicial, quer por uma convenção especial, contando que, seja no pedido, seja na convenção, se trate de juros devidos, pelo menos, por um ano inteiro. ” (Grifo meu).

Analisando friamente o estipulado pelo artigo supracitado, o mesmo permite que os juros vencidos dos capitais produzam novos juros, considerando as condicionais determinadas: pedido judicial, convenção especial, e os juros devidos devem exclusivamente ter sido capitalizados de forma anual.

De outra sorte, observamos em algumas literaturas de âmbito jurídico e até de matemática financeira, a tese de que o artigo 253 do Código Comercial de 1850 “copiou de forma errônea” [sic] os dispostos no Código Napoleônico, alegando que, ao invés de “É proibido contar juros dos juros”, a redação correta seria: “É proibido contar juros dos juros vencidos”.

No entanto, analisando tal constatação nos causa estranheza: Inicialmente pelo fato de afirmar-se que nossa legislação teve origem das leis europeias e, por conseguinte, quando efetuada a transcrição dos códigos europeus (sendo o mais influente o Código de Napoleão) houve um suposto erro. Mas a questão mais intrigante é: como pode ter havido meramente um erro de “cópia”, quando os artigos europeus PERMITIAM a incorporação de juros vencidos ao saldo devedor, ao passo que a legislação brasileira criou o referido artigo para, ao contrário, PROIBIR tal prática?

3)        CONCLUSÃO

Ante o exposto, não é possível chegar à conclusão de como a palavra “vencidos” passou a incorporar a definição de ANATOCISMO em diversos materiais publicados nas esferas jurídica e matemática. Nossa legislação, mesmo baseando-se em leis europeias, criou um artigo para efetivamente PROIBIR a contagem de juros sobre juros, com suas devidas ressalvas, enquanto na Europa os códigos previam a POSSIBILIDADE de incorporar os juros vencidos ao capital, desde que a capitalização incidisse de forma anual. Desta forma, a comparação é falha em pontos cruciais, conforme foi descrito ao longo do item “2”, retro, e principalmente por se tratarem de assuntos distintos. Assim sendo, só resta a afirmativa de que ANATOCISMO é sinônimo de JUROS SOBRE JUROS, sejam estes de qualquer natureza, e não somente juros sobre juros vencidos.